Para entender (e amar) Guarapari!

publicado por Tiago dos Reis em 28 de dezembro de 2023
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Dentre as muitas falhas de conteúdo sobre o turismo do Espírito Santo aqui do Rotas a maior delas, sem dúvida alguma, é Guarapari. Até ontem, não havia um único post meu dedicado a apresentar o nosso balneário mais famoso, apenas algumas menções esporádicas dentro de posts mais genéricos como esse e esse.

Eu atribuo a “culpa” por essa ausência a dois fatores. O primeiro deles, de cunho mais pessoal, foi a pausa obrigatória que eu acabei fazendo na frequência com que eu vou à cidade. Por razões familiares que não vêm ao caso, eu parei de frequentar Guarapari por anos, o que me deixou inclusive desatualizado das mudanças e novidades (tão desatualizado que eu tive que pedir ajuda ao meu amigo blogueiro, Carlos Alberto, do Terra Capixaba, para me ceder fotos mais atuais das praias!!!). E o segundo, de caráter mais teórico, se devia à implicância que eu tinha com a ocupação desordenada da cidade e à esculhambação imobiliária que ainda hoje sobrepõe o interesse privado (de poucos) ao interesse público, em especial, ao meio ambiente. Isso foi inclusive objeto de dois manifestos antigos que eu fiz aqui no Rotas (leia aqui e aqui), denunciando o que eu chamei de “Complexo Industrial Praiano”.

Mas eu não vou voltar a essa discussão por aqui para não lembrar aos meus leitores o quão ranzinza eu sou. Meu objetivo agora é tentar preencher um pouco do vácuo de Guarapari aqui no Rotas, aproveitando a minha vibe menos chata no momento e também que estou refazendo as pazes com a cidade que eu frequentei durante toda a minha infância e adolescência.

A verdade é que, por toda a sua beleza natural, é muito fácil amar Guarapari! Aqui está o pedaço de litoral mais bonito do Espírito Santo. Pra quem gosta de praia, Guaparari oferece quarenta e seis opções num menu de altíssimo nível que atende todos os tipos de gosto e de público.

Tem praias do tipo “piscina” que são ótimas para levar crianças menores. As praias das Castanheiras, Peracanga e Setiba são uma delas:

Praia das Castanheiras

Praia de Setiba (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Tem praia com onda e com um calçadão bastante movimentado que agrada em cheio os mais aventureiros e as turmas animadas de amigos, como a Praia do Morro:

Praia do Morro (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Tem praia que vira desfile de moda com a galera que malha na academia o ano inteiro e vai pra lá no verão em busca de “curtição”. É o caso da Bacutia, palco preferido da high society capixaba:

Praia da Bacutia (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

E tem praia que ainda consegue sobreviver quase intocada e sem infraestrutura de apoio para a galera interessada em curtir paisagens mais rústicas, como é o caso das praias do Ancoradouro e do Morcego.

Praia do Ancoradouro (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Praia do Morcego (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Só uma coisa não muda no menu de praias de Guarapari: o mar cristalino, de coloração verde-esmeralda e aguas congelantes!!!!

Sim, a temperatura da água em Guarapari gira em torno de 24°C por causa das correntes marítimas que trazem para toda a região do sul do Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro águas profundas do Atlântico Sul. Quem conhece Búzios e Cabo Frio sabe bem o que eu estou falando. A água de Guarapari é fria igualzinha. Mas, se por um lado, essa frieza toda nos exige um certo grau de coragem e disposição para entrar no mar, por outro ela traz pra Guarapari uma riqueza marinha inigualável, tornando-a um dos melhores lugares do mundo para mergulho. E não sou eu que tô falando isso. É a minha amiga Lúcia Malla, do Uma Malla pelo Mundo, capixaba ilustre que sabe tudo de mergulho.

A biodiversidade marinha de Guarapari é um dos seus maiores destaques e lhe rendeu o título de “Capital Estadual da Biodiversidade Marinha”. Mergulhar em suas águas geladas para ver os peixes que circulam entre os recifes naturais e artificiais – criados com o afundamento de dois navios cargueiros no entorno da Ilha Escalvada – é, inclusive, uma das maiores atrações turísticas da cidade.

Isso reflete também na oferta generosa e na variedade de peixes que se tem nos restaurantes da cidade e, principalmente, no seu tradicional mercado. Pra você ter uma ideia, no Mercado de Peixes de Guarapari – cuja visita vale por uma aula de gastronomia –, você consegue encontrar até o famoso Meca ou Espadarte, um peixe tipo-exportação que é considerado a “picanha” dos mares.

Outro peixe que é a cara da gastronomia de Guarapari é o peroá. Fritinho e acompanhado de batata, banana e aipim fritos, ele é o petisco oficial das praias. Não deixe de experimentar!

Porção de Peróa Frito

Ainda no quesito gastronomia, Guarapari é talvez o melhor lugar do Espírito Santo para você saborear a tradicional moqueca capixaba. São vários os restaurantes especializados na culinária capixaba, dos quais os mais famosos são o Curuca e o Gaeta, ambos na Praia de Meaípe.

Bom, eu dei um jeito de pular pro quesito gastronomia local pra tentar desviar do assunto “água gelada” e convencer você de que, como tudo na vida, isso também tem um lado bom. =) E, particularmente, eu acho bem mais refrescante dar um tchibum numa água geladinha de mar depois de esquentar o corpo torrando no sol! Parece verdadeiramente que a gente está lavando a alma e deixando as zigueziras do corpo pra trás. A Renata, no entanto, discorda. 

Por falar em ziguezira, diz-se por aí que as areias monazíticas – ou simplesmente “pretas” – de Guarapari tem poder medicinal. A maior concentração delas está na praia de mesmo nome: a Areia Preta, na região central da cidade. Por ali não é raro ver pessoas tomando “banho de areia” acreditando no poder curativo dela.

Areias monazíticas na Praia da Areia Preta

Se o mar gelado divide a opinião dos frequentadores, uma coisa é unanimidade: a beleza estonteante das águas cristalinas verde-esmeralda das praias. Eu mesmo não me canso de apreciar o mar verdinho a la Indonésia de águas tão cristalinas que lhe renderam o apelido carinhoso de “Guaraparibe”, numa alusão ao mar cristalino (embora de tom azul) do Caribe.

Pra mim, o mar de Guarapari é uma indecência! E eu acho incrível que, mesmo sendo tão maltratado pelo Poder Público e por quem o frequenta, ele ainda consiga se manter impávido e tão belo.

Eu quase não acredito quando caminho pelo calçadão do Centro de Guarapari e vejo o mar da Praia dos Namorados assim:

Praia dos Namorados (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Ou da Praia das Virtudes, pra mim a mais bela da região central:

Praia das Virtudes

E o que falar do nosso projeto de Bali, a Bacutia, com um mar sempre tão límpido apesar da invasão de prédios que a última fronteira imobiliária trouxe para a orla da Enseada Azul:

Praia da Bacutia (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Ou da sua vizinha mais recatada, a Praia dos Padres:

Praia dos Padres (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Indo pro norte, quem poderia imaginar que, bem atrás da agitadíssima Praia do Morro, se esconderia uma praia de águas calmas e claras como a Praia da Aldeia:

Praia da Aldeia (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Ou que, num trecho quase inacessível do litoral, se esconderia não só uma, mas Três Praias absolutamente fascinantes (juro que não vou comentar sobre o crime que a Prefeitura de Guarapari cometeu privatizando o acesso à praia ao autorizar a instalação de um condomínio de luxo no local):

A Praia de Mateus Lopes, uma das três praias (Foto: Carlos Alberto – Terra Capixaba)

Pra mim, qualquer uma dessas três praias aí – se não todas – mereceria um lugar cativo nos rankings das dez praias mais bonitas do Brasil. Aliás, eu acho um crime Guarapari não constar nesses rankings sempre que vejo essas publicações “caça-cliques” internet afora.

A verdade, porém, é que Guarapari é pouquíssimo conhecida pelos brasileiros. Não fossem os nossos visitantes mais ilustres, os mineiros, e os cariocas do norte, Guarapari seria um destino para consumo praticamente interno: a cidade é famosa por ser a casa de praia dos capixabas da Grande Vitória, por mais redundante que seja falar em “casa de praia” para quem já reside à beira-mar. No verão, no carnaval ou nos feriados mais prolongados, a cidade ferve com os capixabas que lotam as suas praias.

Não é pra menos. Guarapari está a apenas 55 km de Vitória em um trajeto que pode ser facilmente percorrido por 2 rodovias, ambas duplicadas: a BR 101, que segue “por dentro”; e a ES 060, também conhecida como Rodovia do Sol, que faz a ligação pelo litoral. Antes privatizada, a Rodosol voltou para as mãos do Poder Público neste mês (12/2023) e não tem mais cobrança de pedágio. Independente disso, eu recomendo fortemente que você vá pela Rodosol para fugir do fluxo de caminhões da BR e, claro, para ter o mar e a restinga como companheiros de viagem.

(foto: divulgação ARSP)

Bom, quando eu falo que Guarapari “lota” na alta temporada eu não estou exagerando. No verão, estima-se que a população da cidade aumente em até quatro vezes o seu número normal. E, com toda essa gente junta e misturada, surgem também os contratempos que tiram um pouco da paz e do sossego que se espera quando se está de férias. O trânsito da cidade enlouquece, as vagas de estacionamento somem, enfrentar filas no supermercado, na farmácia e na padaria se torna normal e chegar cedo (muito cedo!) na praia passa a ser obrigatório caso você queria um lugar para sentar e para abrir uma barraca. Eu diria que um pequeno caos se instala.

Praia da Bacutia no verão (foto: Globo.com)

É por isso que, para amar Guarapari, você precisa entendê-la primeiro. Sua experiência na cidade vai depender bastante da época e da sua expectativa. Não dá para querer paz e sossego no mês de janeiro, por exemplo.

Portanto, como praticamente todo destino de praia no Brasil, é bom saber que existem duas Guaraparis: a da alta temporada (todo o mês de janeiro, carnaval, semana santa e, em dezembro, a semana entre o natal e o reveillon) e a da baixa (demais meses do ano). De comum entre elas só o mar cristalino, verde-esmeralda e de águas geladas. No resto uma é o oposto da outra.

Para quem visita Guarapari na alta temporada, uma coisa é preciso ter em mente: quanto menos deslocamento, melhor a sua experiência. O trânsito da cidade na alta é, de longe, um dos fatores de maior estresse. A regra de ouro é escolher a região em que prefere se hospedar e pegar praia nas redondezas, sem precisar pegar carro.

Para ampliar o rol de praias, divida a hospedagem entre as regiões, digamos assim, mais tradicionais e estruturadas para o turismo. Eu diria que são 3: a região norte, que vai de Setiba à Praia do Morro; o Centro; e a região sul, também conhecida como Enseada Azul ou Nova Guarapari. Em todas elas, você vai encontrar uma praia que atenda ao seu perfil (eu ainda vou falar sobre as praias de Guarapari num próximo post. Enquanto isso, deleite-se com o conteúdo completíssimo do Carlos Alberto, lá no Terra Capixaba).

Vista da Praia do Morro

Mas, se o que você quer é experimentar o maior número de itens possível do cardápio de praias de Guarapari sem estresse, aí o ideal é visitar a cidade na baixa temporada. Com um carro alugado à disposição, você vai poder circular livremente pelo litoral da cidade em busca da sua praia preferida. E vai sentir na pele o quão difícil será essa tarefa!

Confesso que eu fico bem em dúvida de qual Guarapari eu gosto mais. Pra mim não há nada melhor que pegar praia em Guarapari no outono, por exemplo, quando a cidade fica vazia e o mar absurdamente transparente e calmo. Mas eu não consigo deixar de gostar do frenesi que se instala à medida que janeiro se aproxima. 

Eu gosto de ver a cidade se transformando como um ser-vivo se metamorfoseando. Ao barulho do mar se soma a cantoria das andorinhas que anunciam a chegada da nova estação. Em cada prédio, uma constelação de luzes volta a se formar após hibernarem por quase um ano. As ruas se enchem pouco a pouco, como o leito de um rio depois de uma chuva torrencial. A cada dia e todo santo dia mais e mais pessoas se apresentam para flanar pelas mesmas calçadas e calçadões desejando em seu íntimo que algo de novo aconteça.

Artesãos e ambulantes renascem das cinzas, vendendo todo tipo de guloseima e buginganga. Novas lojinhas se abrem no lugar de velhas lojinhas, fadadas a seguir o mesmo triste destino, enquanto outras velhas lojinhas seguem seu rumo de sucesso. As pracinhas ganham nova vida com crianças de férias brincando e o som da seresta e das rodas de samba que embalam os adultos em suas noites despretensiosas. Centopéias luminosas embaladas por músicas infantis e de onde brotam personagens bem desengonçados passam a circular pelas ruas para delírio das crianças. Só o que permanece igual é o todo-poderoso mar. Aquele para quem todos irão bater continência ao longo do mês de janeiro sempre que o sol der o ar da sua graça.

Mas não dá pra negar que tudo isso só soa como poesia pra mim porque mexe fundo com memórias afetivas que eu acumulei depois de anos frequentando Guarapari. Como bom mineiro, passei praticamente todos os verões da minha infância e adolescência na cidade. E, depois de curtir Guarapari como criança, estou tendo o privilégio de curti-la como pai e apresentar aos meus filhos as mesmíssimas sensações que eu experimentava na idade deles. 

E que sensações boas Guarapari nos traz!

Eu só preciso ser honesto com uma última coisa. Como eu falei lá no início, a ocupação humana em Guarapari foi desordenada e varreu quase por completo os vestígios da origem colonial de uma cidade que nasceu em 1569 pelas mãos do Padre José de Anchieta. O que restou dessa época – a antiga Matriz, as ruínas da Igreja Nossa Senhora da Conceição e o poço dos jesuítas – passa completamente despercebido por quem vai a Guarapari pelas praias, não pela sua história. 

Antiga Matriz

Por isso, da faixa de areia para trás, o que você vai ver é uma pequena selva de concreto, sombreada por espigões construídos nas décadas de 70 e 80 e de apelo arquitetônico quase nulo. A cidade que o homem construiu às margens desse pedaço de litoral tão privilegiado não é bonita, nem mesmo aprazível. A beleza de Guarapari está na sua natureza, não na cidade.

O natural e o humano em contraste no canal de Guarapari

Não há sequer um espaçozinho, pequeno que seja, que a administração municipal tenha criado para receber uma urbanização minimamente planejada, de construções padronizadas, para servir de refúgio rústico na selva de pedra. Não temos uma ruazinha fotogênica ou um centrinho histórico pra chamar de nosso, a despeito de não faltar história e espaços na cidade pra isso. A área do antigo porto da cidade, por exemplo, merecia um tratamento urbanístico para se transformar num pólo turístico-histórico.

Casa da cultura, no porto

Mas a Casa da Cultura, um dos imóveis históricos dessa região, está literalmente caindo aos pedaços, como se pode ver na foto acima.

Até os recantos mais selvagens e inóspitos da cidade continuam ameaçados pela especulação imobiliária que insiste em criar novos espaços para empreendimentos de um luxo “exclusivo”, inacessível à maioria (mas, de novo, eu não vou tocar nesse assunto!).

Era esse descaso que me impedia de enxergar Guarapari com um olhar mais compassivo. Pelo menos por enquanto, o seu majestoso litoral continua intacto à ação humana. Basta a gente saber aproveitar e preservar!

Eu não poderia terminar esse post sem antes agradecer, mais uma vez, o Carlos, do Terra Capixaba, pela gentil cessão de algumas das fotos de praias que ilustram esse post.

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Comentários

  1. 29 dez 2023

    Rapaz, post completíssimo sobre Guarapari, heim, Tiago! Rapaz, assim como você citou, também fico muito triste e inconformado com o descaso do poder público com a preservação das praias de Guarapari, é lamentável! Morei 2 anos em Guarapari e foi a realização de um sonho, afinal, eu amo demais a cidade! Realmente, são duas “Guaraparis”, mas prefiro a Guarapari fora da alta temporada. É incrível, as praias se tornam praticamente verdadeiros paraísos particulares! É bom demais! A vantagem da alta temporada é que em Janeiro o mar costuma ficar azulzinho, da cor do Caribe mesmo, é impressionante! Ademais, parabéns pelo conteúdo e pelo site! Espero que seus leitores se inspirem nesse guia completo sobre e vão conhecer Guarapari! Um grande abraço meu amigo! Conte sempre com o Terra Capixaba! “Tamo junto”!

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